Monday, March 28, 2011

UMA EXPLICAÇÃO QUE SE IMPUNHA

Volto a este espaço para um esclarecimento que a minha falta de coragem foi adiando dia após dia, mês após mês, ano após ano: todos os textos editados neste blog são da autoria do meu avô Fortunato. Homem dado às letras desde menino, continuou por vontade dos pais o negócio de família: uma modesta mercearia no bairro onde mais tarde nasci. Contrariado, nos intervalos do atendimento à clientela, retirava da orelha direita o lápis das contas e rabiscava no papel pardo de embalar produtos tão diferenciados como o queijo fresco e o chouriço de sangue, textos que não sabia onde a imaginação os ia buscar. Guardou-os muito bem guardados e apenas mos deu a conhecer a mim (seu neto predilecto) passados que foram muitos anos. Tantos que, onde antes se situava a modesta mercearia, existe agora uma loja que vende telemóveis da quarta geração, televisores LSD e tablets sem sabor a chocolate, o meu avô está quase com noventa e seis anos, vai no terceiro casamento e afiança que ainda viverá o tempo suficiente para ver uma onda de revolta alastrar pela cidade de Almada com o apoio de tropas regulares cubanas, em protesto pelas entradas e saidas do FMI em Portugal com a maior das sem-cerimónias (como se de um filho amado se tratasse). O desejo louco de me ver editado (mini-poemas eróticos deixados à pressa em algumas casas de banho de pastelarias lisboetas, tiveram vida efémera) e a fome de estrelato, levou-me a cometer o enorme pecado de me fazer passar por aquilo que não sou: um avô com a cabeça cheia de letras e histórias chanfradas.

Legível, o neto.


2011. Texto de Alberto Oliveira.


0 Comments:

Post a Comment

<< Home