Saturday, September 04, 2010

O GOSTO PELO LEITE











Sou tarado por leite. Eu explico. Quando em criança me fizeram a pergunta sacramental «O que gostarias de ser quando fores grande?» respondi candidamente «Pobrezinho!» . O meu tio Apolinário exclamou de imediato «O miudo é louco!». O meu pai mais comedido e científico, inquiriu «O que te faz despontar esse desejo?». Retorqui que «Vejo todos os dias, na rua da Graça, um pobrezinho de mão estendida e sempre de sorriso nos lábios; logo, deve ter uma existência feliz que é o que todos nós pretendemos, não é verdade?». O meu pai depois de um longo silêncio disse para o irmão «Tens razão Apolinário, o rapaz é completamente chanfrado! O pobre de que fala é o Gaspar, que foi corrido do Júlio de Matos por andar sempre a rir dos seus colegas doentes.». Assim, aos cinco anos, expulsaram-me de casa. «Vai ser maluco para outra freguesia!» gritaram em uníssono todos os membros da família que vieram à porta certificando-se que eu desaparecia dos seus horizontes mais próximos. Uma mulher grande, robusta e de enormes seios, olhou com pena para mim, sentado no chão frio da rua pedonal e inclinando-se perguntou com voz de veludo «O que tu queres meu menino?», «Quero mamar.», respondi eu. Foi assim que tudo começou.
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O texto que leram acima, foi publicado num blogue colectivo há cerca de quatro anos sob o título "Sem Imagem Porque Não Sou Fotogénico". Volto a editá-lo hoje por dois motivos. Um porque provavelmente a maioria dos meus simpáticos leitores nunca lhe puseram a vista em cima e têm assim oportunidade de constatar que nem sempre fiz da ironia ou do riso fácil uma bandeira enquanto escriba na blogo-esfera. O outro, porque finalmente consegui fazer uma foto que se ajusta, no mínimo, ao referido relato. Sendo óbvio que a imagem não me revela enquanto autor (nestes anos a má relação que as máquinas fotográficas têm com o meu rosto ou vice-versa, mantém-se) e uma vaca de corpo inteiro é melhor que nada. Pudicamente, o animal apenas me pediu para não lhe fotografar as tetas. Assim fiz.
2010. Texto e foto de Alberto Oliveira.