Thursday, October 07, 2010

VAMPIRÍSSIMO









O homem sentou-se e pediu a lista. O empregado mostrou-lhe os incisivos pontiagudos num esgar vampiresco «O prato do dia é arroz de cabidela e recomendo.» informou por entre-dentes (mais os tais) dando a entender que não estava ali para mais conversas pois a esta hora do dia devia era estar bem aconchegado entre os alvos lençóis no seu caixão. Mas estes tempos eram difíceis e quem se desunhava para ter um emprego tinha de abdicar de alguns vícios. As tentativas de fazer valer aquilo que ele considerava os seus direitos em duas ou três reuniões no sindicato, resultaram infrutíferas, tendo-lhe sido adiantado que um universo de vinte vampiros no país (e alguns sem carteira profissional) não tinha qualquer peso ou visibilidade numa manif na Avenida da Liberdade. Insurgiu-se, argumentando que muitos outros, também conhecidos como vampiros, nem precisavam de sair à noite das sepulturas para sugar indiscriminadamente o sangue daqueles que dele, pouco ou nada tinham nas veias. Que a esses sugadores tudo era permitido e sobrava tempo. O cliente interrompeu-lhe as cogitações, imperativo «Traga-me um bife mal passado.» e num gesto mecânico passou a mão pelo pescoço. Foi nesse momento que o empregado reconheceu quem atendia. Roman Polanski sabia escolher os sítios onde melhor se mordia.
2010. Texto e foto de Alberto Oliveira.