Sunday, March 30, 2008

SEM REDE





















O universo circense desde sempre fascinou Demétrio que um dia sonhou ver o seu nome aparecer naqueles cartazes multicolores que pretendem sugerir a movimentação de corajosos trapezistas voando sem mãos, esbeltas amazonas com pernas montando cavalos em pelo, simpáticas focas carecas em roupa interior, ferozes tigres do exterior em papel de Bengala, palhaços pobres em cadeiras de rodas de esferas, ricos palhaços conduzindo Ferraris vermelhos, equilibristas no arame de quotidianos cinzentos, enfim, um cortejo de emoções fortes e encantamento, que apela aos habitantes dos sítios onde a caravana do circo estaciona, a assistir ao maior espectáculo do Mundo. O nosso homem bem tentou integrar esse mundo, mas as respostas eram invariavelmente idênticas "Esse número está muito visto. Passe por cá com alguma coisa mais original." Estava quase, quase, a mandar às malvas o sonho, quando por puro acaso, num blog de nome "Papel de Fantasia", leu um comentário -em castelhano pouco credível, a expressão "Caracoles!"Estava ali a chave do seu futuro sucesso. No quintal da sua vizinha Mercedes (com quem mantinha cordiais relações) apanhou dois desses moluscos gastrópodes de tenra idade e durante seis meses não se poupou a despesas e sacrifícios, alimentando-os à grande e à francesa e adestrando-os como se fossem para a guerra. Depois, bateu à porta do Circo Alfonso y Martinez e apresentou-se "O meu nome é Demétrio Shewarzenegger e estes são os meus Caracolões de Combate. Que tal?" A resposta foi pronta do homem que o atendeu "Vá ao Grande Circo Casa Branca e pergunte pelo empresário Bush. É capaz de ter sorte."

Valência, 2008. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Tuesday, March 25, 2008

PERNAS PARA QUE VOS QUERO








É comumente sabido que, ao ir para a festa, não há dor que os apoquente ou obstáculo que os impeça. Aos espanhóis. Vão eufóricos, algazarriantes e com o fogo no rabo (que em texto que se pretenda sério, não tem cabimento um vulgar cu chamuscado... ). Daí, a surpresa ao deparar com os rostos fechados deste sexteto, a caminho do cortejo das Fallas valencianas. Uma falha no guião dos festejos, o exemplo da excepção à regra ou... portugueses integrados nas festas? Notória, sem dúvida alguma, a distração do líder do grupo, que ainda não se apercebeu que alguém já lhe tirou das mãos, o jornal que vinha lendo sabe-se lá desde quando e o olhar interrogador da criança no carrinho como que a pretender saber porque o pagode bate palmas à sua passagem mas ninguém lhe pede um autógrafo.
Valência, 2008. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Tuesday, March 11, 2008

A VISITA DA VELHA SENHORA









"... mas querido... não vês que ela continua em passo de corrida e a ameaçar-me com a foice?!" As palavras eram entrecortadas de tal modo pelo bater dos dentes de Hortense, que Alcino achou por bem espicaçar-lhe o intelecto, filosofando "Era bom que a megera se fosse, era, mas quanto mais olhas para trás, mais te quer parecer que ela se aproxima!"... e tentava arrastá-la dali e de tal visão horrenda. "Mas que queres? não está mais na minha mão afastar os olhos daquela face ossuda e medonha que parece estar morta de riso com o meu ar de morta de medo." volvia Hortense cujas pernas não obedeciam à ordem de seguir para diante e, retrocedendo, já quase se confundiam com as tíbias da perseguidora. "Vá, anda lá para casa, que tens de vestir qualquer coisa. Quem sabe se não é por andares assim pela rua -nua como vieste ao mundo?! que a ceifeira te persegue? e depois, sabe-se lá, se ela não tem alguma coisa a ver com o ministério da agricultura e procura talentos naturais para o trabalho no campo?" E enquanto assim ia falando com a companheira, envolvia-a com os braços impelindo-a para a frente, na ânsia de aumentar a distância entre ela e a esquelética criatura. Por esta altura do texto, os leitores já estão a futurar que esta história não vai ter um final feliz. Pois se Alcino puxa Hortense para a frente mas Hortense apenas progride para trás... Têm razão, leitores: Hortense falece (imóvel) precisamente neste linha do texto, Alcino -mais adiante, morre alucinado com a tragédia e a Morte... bom, a Morte já está morta, não é?
Nuremberg, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.
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O autor dos textos e fotos deste espaço vai fazer uma pausa para refrescar ideias. Regressará, assim que a temperatura ambiente o permitir.

Thursday, March 06, 2008

O SEXO, A CIDADE E O GATO






















Escreve-me um leitor (identificado) observando que não se recorda -ao longo do tempo que por aqui vou editando prosa de inequívoca qualidade (palavras dele e que me limito a transcrever) de ler um texto de temática sexual. E interroga-me se haverá algum motivo para tal. O amigo (compreensivelmente não revelo o seu género) tem razão. Nunca escrevi, nem está nos meus horizontes mais próximos, escrever sobre sexo. Revelar-lhe as razões porque não o faço é que fia mais fino: este sítio não é, nem nunca será, um confessionário pessoal, mas sempre vou adiantando que tenho o máximo respeito por todos os que me visitam: das crianças de tenra idade aos idosos mais duros de roer. Na ausência das palavras, deixo a imagem (para os estudiosos de tão excitante e libidinosa matéria) de um recanto licencioso de uma anónima cidade pecadora e com um gato ao fundo abandonando o local, transtornado com tanta luxúria e de rabo entre as pernas.

Granada, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Sunday, March 02, 2008

TURISMO ACIDENTAL

" ... mas porque diabo se nos meteu na cabeça visitar este estranho país quando estávamos tão descansados lá no nosso rico Minnesota? temos resposta para isto minha querida Cindy?" assim se questionava Frank e à sua companheira de vida e de turísticas viagens. "Ora! Como se tu não soubesses... que sempre estivemos convencidos que esta terra era uma província espanhola e porque de Madrid a Lisboa era um pulinho... " replicou ela à falta de melhor argumento. "E o que achas do homem da camisola azul e mãos nos bolsos, quando lhe perguntei se falava inglês e ele sem dar parte de fraco respondeu-me no idioma local. E falava, falava e não se calava... e eu a zero! " tornou Frank ainda surpreso. Cindy, que era uma turista que acumulava a sede de conhecimento com a observação minuciosa e por isso nada lhe escapava, sorriu condescendente "Provavelmente o coitado nem sabe da existência do Estado onde vivemos, enquanto ele aqui, deve viver num permanente estado de desconforto social - foi o que depreendi, pelo modo desiludido como olhava a montra (que está à direita da imagem mas para além dela... ) da loja de roupa para homem, de custo demasiado elevado para as suas posses. Daí, levar as mãos aos bolsos, como que representando os parcos meios com que se amanha. E não se importou que não o entendesses: quis foi atirar cá para fora a raiva que lhe vai na alma e aproveita todas as ocasiões. Mas olha que nessa altura, aquela da saia estampada comprida e mala a condizer, até voltou a cara para o lado e a outra de calças escuras, disfarçou, fingindo que estava a falar ao telemóvel. Ambas, demonstraram que não queriam ser incomodadas por sobrinhos do tio Sam com problemas de orientação. Não deste por isso, aposto, mas o sujeito que nos escreve os diálogos, fez o favor de imobilizar essas personagens para que possas confirmar o que te digo. Ora volta lá a cabeça... ". Embora tivesse a máxima confiança em Cindy, Frank nunca a contrariava. Por isso voltou a cabeça no preciso momento em que o ronco de um avião se fez ouvir. Olhou para cima e conseguiu ler parte do dístico numa das asas: "... for Guantanamo". Sorriu satisfeito: o turismo norte-americano estava de saúde e recomendava-se...


Praga, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.