A PREOCUPAÇÃO...
... sobre as coisas do social, não é comum apenas aos humanos em geral e aos portugueses em particular. Este animal, natural de uma aldeia lusitana do interior, é o exemplo dessa preocupação que o enrugado da testa não desmente. E se acrescentarmos que as orelhas murchas são sinal evidente de algum fatalismo, o retrato está tirado. Acompanhou o dono até ao litoral, tendo-lhe sido prometida uma vida de horizontes mais alargados em que a casota com ar condicionado, a comida com a marca de uma grande superfície, o emprego certo como cão-guia de um cego de largas posses e cadelas jovens disponíveis para a diversão nocturna -que um cão não é de pau, não seriam paraísos impossíveis Foi necessário algum tempo (demasiado tempo, que as expectativas de vida para um cão não são as mesmas que as dos humanos) para se aperceber que a distância entre o paraíso e o inferno se pode medir por um passo de formiga. Às promessas -que não passam disso mesmo, há muito que deixou de lhes dar crédito e não fosse o peso da idade concentrado nas patas, já as teria metido a caminho daquilo que ouve dizer, ser a europa da abastança. Preocupação acrescentada também, porque alguns que ainda ontem eram tão rafeiros como ele, e que hoje -não sabe bem como, foram promovidos a jovens-cães-iluminados, passam por ele cheios de boa-disposição e de outras coisas ainda mais apetecíveis, e em latidos despreocupados, lhe desejam um dois mil e oito pleno de alegrias. "Impostores", ladra entre os poucos dentes que lhe restam.
Nuremberga, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.