CARICATURAR
O bico do lápis de grafite voava célere sobre o papel branco, em traços que ganhavam vida própria como se do rosto de cada um dos retratados, em carne e osso se tratasse. Aos olhos, só lhes faltavam piscar de emoção e aos lábios, abrirem-se em sorrisos extasiados porque não é todos os dias que somos alvo da atenção pública e tais momentos são para fruir em pleno. Já me tinha apalavrado com o artista e por isso, na fila, seguia com a atenção possível as manobras do mestre desenhador, vocacionado para -se fosse caso disso, num golpe de mágica, aperfeiçoar um nariz desnecessariamente longo ou umas orelhas em forma de abano. Não seria o meu caso: estão-me sempre a fazer lembrar que tenho um rosto perfeito e um corpo a condizer; Adónis e Apolo corariam de vergonha face a tão legível exemplar e não teriam outro remédio senão dar corda aos sapatos e começarem a frequentar o ginásio mais próximo... acrescenta quem me tece tão agradáveis elogios.
Mas quando era quase chegada a minha vez e o homem dava os retoques finais no desenho do casal retratado, constatei espantado que o nariz da jovem -na realidade pequeno e graciosamente arrebitado, no papel era uma autêntica batata do Entrocamento. No rosto do rapaz de sorriso simpático, a evidência ia toda para uma fileira de dentes enormes -capazes de degolar um cabrito. Surpreendido e desalentado, não cheguei a levar o cigarro aos lábios, deixando pender o braço ao longo do corpo, quase queimando as calças verdes de estimação. Sub-reptíciamente fui-me afastando. E ouvia o meu cabelo a crescer. E quanto mais me afastava, mais o cabelo me crescia...
Praga, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.