Tuesday, June 26, 2007

A IMPORTÂNCIA das SOMBRAS na CLARIDADE















... é bem claro (?!) que ainda não sei exactamente o que fazer com esta imagem. Que quer dizer o mesmo que, "que texto lhe hei-de juntar logo a seguir ?". Porque se escrever sobre a claridade que vinda do exterior e ultrapassando a porta, se instala na porção visível duma sala aparentemente nua, isso é o que qualquer olhar de relance acaba inevitavelmente por constatar. Ou acrescentar que o cinza-claro do chão é recortado pela mancha da claridade solar exterior, que o verde do relvado é... verde-relva (pois está claro!) , tem algumas peladas pouco agradáveis à vista mais exigente e que... a fotografia fala por ela própria. Nem vale a pena acrescentar que há uma porta metalizada... Só não daria por ela quem se fizesse de desentendido. Ah! eu sabia que faltava qualquer coisa: as zonas sombreadas na reprodução, que não anulam a luz que nela irrompe. Pelo contrário: valorizam-na. Mas subsiste a questão inicial: onde estão as palavras que poderiam com o mínimo de consistência, contar uma história credível referente a esta imagem? Não me ensaiaria mesmo nada, de vos afirmar que, mais à direita da porta, num ângulo que a máquina fotográfica pudicamente não captou, um par de enamorados se beijava loucamente e do lado oposto da sala, uma menina de laços violeta no cabelo, pela mão de uma mulher grande, loira e de vestido amarelo com comboios azuis estampados, olhava surpreendida o quadro enorme na parede, representando uma natureza-morta-absolutamente-defunta. Mas isso seria demasiado fantasioso e não mereceria a vossa compreensão e tempo perdido na leitura.
Serralves, 2006. Texto e foto de Alberto Oliveira.


Friday, June 22, 2007

NATURALMENTE CULTURISTA
















Em abono da verdade, dos amigos próximos aos conhecidos distantes, passando pelos inimigos de estimação em parte incerta, nenhum deles poderia afirmar que Narciso tivesse uma vida remetida irremediável e definitivamente ao anonimato. Não. E era reconhecida a sua irredutibilidade em renunciar ao projecto que desde sempre alimentara: que a sua visibilidade fosse um dia premiada com uma distinção que fizesse saltar o seu nome para as primeiras páginas dos jornais e na abertura das notícias na pantalha televisiva. E isto era tão verdade, que os espelhos em sua casa já tinham perdido o conto às palavras ensaiadas (em sintonia com os convenientes trejeitos faciais), para quando chegasse a ansiada ocasião. Mas os seus denodados esforços tardavam a ser recompensados. Não se pense entretanto, que o nosso homem pretendia reconhecimento a qualquer preço. Cometer qualquer espécie de crime ou aventura radical que pusesse em risco o seu amado esqueleto, não lhe estava nos planos. Narciso era um homem apaixonado pela cultura e era por aí que pretendia escutar hinos aos seus dotes.
Vim a saber por um amigo comum que Narciso passara os últimos cinco meses num ginásio culturista e que hoje, totalmente despido, e de corpo untado com uma substância pastosa e esverdeada, se encontrava desde as dez horas da manhã no Jardim da Estrela, postado quedo e mudo em cima de uma base de pedra, como se de uma estátua se tratasse. Vou estar atento às notícias televisivas ao fim do dia e amanhã compro os jornais todos.
Viena, 2006. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Monday, June 18, 2007

FLEXIBILIDADE MENTAL















Observou curioso os cartazes que publicitavam os workshops de dança contemporânea. O da esquerda era simplesmente fantástico. Tão fantástico e apelativo, que se imaginou na pele do dançarino que a imagem fixou para uma posterioridade tão breve como a de qualquer cartaz urbano que se preze. E tão fascinado se encontrava, que a rua era um enorme palco e quem passava, espectadores que vibravam com a sua arte de elevado grau de dificuldade. Sim. Que não está ao alcance de qualquer um, erguer o corpo apenas apoiado numa das mãos. E porque acreditou ter ouvido fartos aplausos, não se limitou a copiar o dançarino do cartaz: rodopiou. Ao vivo. Uma, duas, três vezes... e quando se preparava para iniciar a quarta, o pulso rotinado em acções mais poéticas, cedeu. Com o corpo estiraçado no asfalto, os seus olhos encontraram o dançarino do cartaz da direita (a quem tinham subtraido o olhar - quem sabe na torpe tentativa de o saber no solo, pois há gente capaz de tudo porque crê que a dança é coisa demoníaca) cujas mãos também dançavam. Grande coisa! pensou. Aquilo também ele fazia. Com uma perna às costas...

Alguém que passava ajudou-o a levantar-se. Agradeceu, ajustou a canadiana ao braço direito e rumou na direcção da clínica para a sessão de fisioterapia...


Viena, 2006. Texto e foto de Alberto Oliveira.