Sunday, April 29, 2007

UMA GIRAFA NO BAIRRO ALTO



... que não é espanto nenhum, dirá quem me lê, pois em Sete-Rios também haverá pelo menos uma (ou mais), acrescentarão. Não refuto nem estou aqui para espantar seja quem fôr nem sequer com a intenção de prestar serviço público-turístico do género "... depois suba ao popular Bairro Alto e delicie-se com o espectáculo exótico de uma girafa amarela na Rua da Atalaia." Ao correr da pena, limito-me a registar o facto, captado inicialmente pelo rabo do meu olho direito quando me dirigia apressado para o Largo da Misericórdia em busca de um alfarrabista e de um título que não vem agora à colação. Face à descoberta, inverti a marcha e entrei decidido no interior do velho bairro lisboeta ainda a tempo de ouvir o senhor Demétrio Bolacha -presidente do Movimento Associativo Girafas em Via de Colisão (ao fundo,na imagem, de blusão da mesma cor do mamífero ruminante e mãos nos bolsos) afirmar convicto aos Vogais do mesmo Movimento, Natércio Camacho e Ramiro Azedo que "A girafa não sai do bairro enquanto não surja outra e colida com esta! Também cá temos a Fátima Lopes e alguém a põe em causa?! Nem sequer se pede que o José António Tenente apareça por aí a abalroar a mulher... ! Quase encostado à montra do Café do Galego e assobiando disfarçadamente o hino da Associação Os Residentes Informatizados do Bairro Alto, Dometílio Barbosa tirava notas mentalmente...

Lisboa, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Wednesday, April 25, 2007

A MATANÇA DOS INOCENTES

















... passou o augusto arco e defrontou-se com a ampla Praça do Comércio. O sol que jorrava forte, naquele início de tarde de domingo , obrigou-o a baixar os olhos por momentos. Refeito, só então constatou que a praça se encontrava quase deserta -excepção feita a meia-dúzia de turistas que cirandavam em torno da estátua equestre e que se desunhavam em captar de todos os ângulos possíveis e imaginários, fotos de um Don José claramente distanciado do que se passava a seus pés, parecendo muito mais interessado na outra margem do rio, pois a direcção do olhar do antigo monarca assim o dava a entender. Alfredo lembrou-se então, que a baixa pombalina aos domingos perdia todo aquele fulgor dos dias úteis?! de estabelecimentos comerciais abertos e milhares de pessoas de rostos fechados que ofereciam a estranha ilusão que a sua ocupação profissional se desenrolava na rua. E recordou também que a primeira vez que veio à capital -alguns anos antes, mas neste mesmo lugar, um sujeito bem falante, de gravata e um grande anel no dedo mindinho, o desafiou para um jogo insólito. Se respondesse correctamente à pergunta "Qual é a pata dianteira, direita, do cavalo de Don José?" ganharia cinco mil escudos (os euros ainda não eram nascidos... ). Caso contrário, desembolsaria apenas a módica quantia de quinhentos escudos... Pouco vivido, correu o risco e perdeu.
Absorto nos seus pensamentos, Alfredo demasiado tarde percebeu que o cavalo branco da base escultórica da estátua, provavelmente assustado com o som estridente da campainha de um dos últimos eléctricos lisboetas, o derrubou violentamente. No chão e atordoado, teve tempo de reparar que neste cavalo, patas direitas só as traseiras... porque as dianteiras, recurvadas, preparavam-se para lhe aterrar nas costelas. Antes de desmaiar ainda pensou que "felizmente desta vez não tinha jogado".
Lisboa, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Saturday, April 21, 2007

E AS OUTRAS?!...
















... serão queijadas tão falsas que nem o logotipo fabril onde são paridas, consta do invólucro cilíndrico em papel onde se aninham comprimidas as ditas cujas? Provavelmente nem código de barras têm... e da indicação de "consumir até... ", muito menos. E se, de dúvida em dúvida, nos interrogarmos "se por ventura as falsas?! queijadas, talvez nem de massa doce sejam feitas... ", então não será muito difícil de aceitar que comprar queijadas apenas o devemos fazer no estabelecimento que a imagem mostra. E que todas as outras fábricas de queijadas da Sapa, estão a infringir as regras de mercado por cópia abusiva de uma marca registada legalmente. É verdade que não será fácil detectar essas mesmas fábricas, pois se forem idênticas à fábrica?! que a imagem documenta, então concluiremos que as fábricas não são fábricas mas sim meros estabelecimentos comerciais. O que é, igualmente, o caso da fábrica?! "das verdadeiras queijadas da Sapa". Confundido com as suas próprias interrogações, Juvenal despediu-se de Sintra e rumou a Lisboa. Em Belém, comprou meia-dúzia de pastéis de nata na Casa dos Antigos Pastéis (do mal o menos: a esta não a designavam por fábrica... ) que lhe asseguraram comercializar os verdadeiros natas. Em casa, enquanto mordiscava o primeiro pastel, ligou a televisão e ouviu Mário Crespo "... serão estas as verdadeiras notas da licenciatura de José Sócrates? Segundo a edição do Expresso deste sábado... "
Sintra, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Sunday, April 01, 2007

A COR DA CHUVA


















Hoje esteve um dia cinzento. Feio. E a chuva raramente deixou de cair escorraçando o sol que timidamente se pretendeu mostrar algumas vezes. Há dias assim: de primavera mascarada de inverno ou do outono a representar o verão. Dizem os mais velhos que o tempo já não é o que era: com as estações situadas nos seus devidos lugares não dando azo a que as pessoas as pudessem confundir tal como acontece agora. O meu avô Casimiro chega ao ponto de afirmar que a falta de disciplina?! dos tempos modernos também acabou (infelizmente, segundo ele) por chegar às estações. Não quero de modo algum contrariar o meu avô Casimiro, por um lado devido à sua provecta idade, porque foi por outro, a primeira pessoa que teve a coragem de me mostrar a cor da chuva quando um belo dia em que uma violenta chuvada fustigava os vidros das janelas da casa que davam para a Calçada do Monte, me perguntou de surpresa "ó rapaz! diz-me lá se sabes que cor tem a água da chuva que está a cair?!" Embatuquei por momentos e depois procurei dar a resposta correcta que era a de que "a água não tem cor; é incolor." O meu avô olhou-me nos olhos e as suas palavras carregadas de sarcasmo, dirigiam-se a todos os alunos deste país e à respectiva classe docente: "Então é isto que lhes andam a ensinar na escola ahn?! Anda cá. Olha-me bem -através da chuva, para o muro onde se inicia a calçada e diz-me de que cor está pintado? de branco pois claro! E a cor do prédio que vem logo a seguir? Amarelo-torrado não é verdade? e as copas das árvores do jardim que se divisam atrás? verdes como é evidente! Pois essas -e todas as outras cores que daqui da janela vês, são as cores da água da chuva." Nunca mais esqueci esse dia. De tal modo que, ainda hoje quando me defronto com uma tela para ser resolvida, entre ela e a minha mão, há uma cortina de água. Da chuva.
Almada, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.