Wednesday, March 28, 2007

E A SAGA FOTOGRÁFICA CONTINUA...


... mas desta feita correu tudo dentro dos conformes estabelecidos pelas regras do bom viver. Solicitei ao grupo autorização para o fotografar, adiantando que "... tenho um blog e... " a senhora interrompeu-me de imediato para informar que "Nós também temos um cão!", o cavalheiro procurou saber "E como é que é o seu blog? É manso ou quando o traz à rua a passear tem de lhe pôr açaimo? e que raça é?" Foi a vez da jovem dos óculos escuros dizer de sua justiça "Os pais antes de falarem deviam pensar um pouco... que até me deixam envergonhada. Um blog é... ". E esclareceu o casal melhor que eu teria esclarecido, pois estava tão bem informada que procurei saber se também tinha um blog. Que não. Tinha um cão, o tal que a sua mãe tinha referido. Temi que, pelo desenvolvimento da conversa redonda, quando me dessem autorização (ou não... ) para fazer a foto, estariam a milhas do Rossio. Tentei apressar a coisa com delicadeza "Então os senhores... " mas a mulher nem me deixou respirar "Nós viemos de Caneças. Há uns tempos que não dávamos um passeio pela cidade, aproveitámos o domingo de sol e cá estamos! Aqui o meu marido está a matar saudades dos tempos que esteve em Moçambique. Diz que há mais de quarenta anos que não via tantos africanos juntos! E eu também estou a gostar deste dia! Para a satisfação ser completa, uma ida ali ao Teatro seria ouro sobre azul. Ver a "Filha Rebelde" anunciada no cartaz grande. Mas o dinheiro não estica, percebe? e a gasolina está caríssima, não é Fernando? E o senhor que está aí há tanto tempo de pé, não quer uma sandes de presunto? Ó Tânia! Tira aí do saco uma sandes para o senhor do blog manso."
Comi duas sandes e só consegui agradecer sumida e mansamente, que a dona Isaura (assim se chamava ela) contou-me a história toda da vida daquele família e era já noite quando arrancaram. A foto, claro que não a tirei... A que ilustra este texto, é uma outra que tinha em arquivo.
Lisboa, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Friday, March 23, 2007

JÁ NÃO HÁ EDUCAÇÃO COMO DANTES!?


















Desta vez sim. O que estão a observar é a mais pura das realidades. Ele entrou decidido pela imagem dentro, empertigado e sem se dignar a um gesto de cortesia ou a um olhar como que a dizer "Desculpe a invasão mas já vou um pouco atrasado para o trabalho e aproveito o trânsito estar aberto para os peões... ". Nada. Nem uma nem duas. Dantes ?! (e fazendo fé nos meus antecessores... que alguns deviam ser um pouco mais exagerados que este vosso humilde escriba), o senhor em causa haveria de se me dirigir e respeitoso perguntaria "Vocência permite que atravesse a sua fotografia de um lado ao outro?" E eu, de modo igualmente educado, acederia "Por quem é! Passe, passe que a imagem é toda sua!". Hoje, quem é que cairia daí abaixo, respondendo uma barbaridade destas? Chamavam-lhe sua a fotografia e aproveitando-se da ingenuidade até a máquina fotográfica marchava.
Uma coisa é certa. Este cidadão, pelo andar da carruagem, nunca mais chega ao outro lado da avenida. E retira-me a visibilidade que pretendi dar ao Sebastião José. E ao leão...
Lisboa, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Monday, March 19, 2007

JARDINS SUSPENSOS


















Quando cheguei elas já lá estavam. Dentro da fotografia. A árvore secular, nem posso precisar há quanto tempo, mas de fonte segura, muito, muito antes que a mulher de vermelho, que de tão absorvida pela leitura do livro nem dava pelo correr do tempo que a imagem fixou e já é passado. Ficava bem a este texto (e ao autor... ) descrever que ela lia Marguerite Yourcenar mas não arrisco. Vou conhecendo as personagens que vão desfilando por aqui e esta tem cara de quem não se ensaiava nada para me contestar e replicar abespinhada que "... qual Marguerite, qual carapuça! Estou a ler o Paulo Coelho!". Tenho a certeza que até a árvore secular agitaria os troncos mais finos num sorriso irónico. Imaginam a minha cara, não é? A pretender dar um ar sofisticado ao texto e a acabar achincalhado por uma mulher de vermelho respondona e uma árvore secular gozona...
Disfarçadamente, dei a volta ao jardim, procurando uma outra personagem que me inspirasse alguma confiança e que pudesse inserir na imagem, trabalhando-a a meu belo prazer. Ninguém estava nesse dia para aí virado -e não conta o cavalheiro sentado ao fundo e um tudo nada diluido pela claridade solar, logo a seguir à mulher de vermelho. Esse, chegou muito depois da fotografia feita. É pura imaginação das vossas mentes.
Lisboa, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Thursday, March 15, 2007

O GATO E O TEXTO


















Enquanto aguardava pelo sinal verde dos peões para atravessar, ocasionalmente o meu olhar subiu até aos andares mais altos do edifício do outro lado da rua. Num deles, um gato sentado à beira da varanda, ao contrário de parecer querer desafiar a perigosidade de uma queda das alturas, denotava o à vontade próprio do animal doméstico bem integrado na estrutura da casa onde habitava. Estar ali ou deitado na almofada bordada a vermelho -pelas mãos prendadas da sua dona e onde se lia a palavra benfica ( deixem-me imaginar que assim seria, porque a percentagem de animais de companhia com esse nome é impressionante... ) não lhe devia fazer diferença nenhuma. Tirei a máquina fotográfica da bolsa e procurei atrair-lhe a atenção com aquele chamamento parvo que se usa com os felinos (não aconselhável a tigres e leões... ) : "bxi bxi bxi bxi" (penso que é assim a grafia) e porque certezas de facto sobre o nome não as possuia. Mas o bicho de surdo não tinha nada e percebeu-me na perfeição, pois olhou para a objectiva.
Em casa, ao seleccionar uma imagem das cinco que fiz, quis-me parecer que havia algo que não batia certo. Olhava para as fotos mas não tinha resposta para essa sensação. E apenas quando perguntei a mim próprio, o que me levava a fotografar gatos à varanda, na rua ou à janela (e a série já ia longa... seguramente uns trinta gatos entre portugueses, espanhóis e eslavos ) é que percebi que não tinha texto para esta imagem. O que vou fazer com esta fotografia?
Almada, 2007. Foto e texto de Alberto Oliveira.

Sunday, March 11, 2007

GEOMETRIA DAS CIDADES COM ELÉCTRICOS



















desci no elevador
de santa justa
justamente a tempo
d´alcançar a baixa pombalina
de austero traço geométrico.
na conceição ficou-me na retina
o amarelo-lento d´um eléctrico.
de nada me valeu estugar o passo
um eléctrico não se apanha com compasso.
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Lisboa, 2007. Poema e foto de Alberto Oliveira.

Wednesday, March 07, 2007

BANHOS PÚBLICOS

















Era um grupo bem razoável de pessoas que se concentravam no passeio junto à loja de artigos para a casa e com a atenção voltada para o seu interior, através da montra do mesmo. À medida que me fui aproximando, calculei seguramente umas quarenta e com a curiosidade de serem a maioria do sexo masculino. Os da frente mantinham fortemente as posições conquistadas e os mais recuados ou de mais baixa estatura, equilibravam-se em bicos dos pés, cabeças dançando de um lado para o outro para conseguirem observar algo do que se passava para além do vidro da montra do estabelecimento . Quando cheguei junto ao grupo e porque uma dessas pessoas abandonava o local, perguntei-lhe o que tinha acontecido. O homem de meia-idade, gordo, calvo e excitado nem pestanejou «É só publicidade! a um gel de banho de rosas, pelos vistos... Quando cheguei, já a gaja tinha saido da banheira... e há mais de meia-hora, está para ali sentada de cabelos encharcados e uma toalha a cobri-la. Mas um tipo que estava ao meu lado, garante que a viu saltar do banho sem qualquer peça de roupa vestida. Chego sempre atrasado a estas coisas... » encolheu os ombros desalentado e foi-se.
De um momento para o outro, o grupo começou a desmobilizar -com algumas palavras de desagrado... e tive então oportunidade de ainda poder ver, um empregado da loja carregando um perfeito e artificial manequim feminino. No chão branco da casa de banho encenada, jazia contrastante, uma peruca negra molhada...
Lisboa, 2007. Texto e foto de Alberto Oliveira.

Saturday, March 03, 2007

DAS AFIRMAÇÕES & CONVICÇÕES

















Vocês podem pensar o que quiserem (por exemplo que retirei esta imagem da NET num dia em que dei folga à máquina fotográfica), mas o facto é que a fotografia é minha e foi captada a partir da montra de uma padaria, no mesmíssimo dia em que fotografei o cavalo Ésquilo, na zona do Príncipe Real. Esta introdução é necessária, uma vez que tenho recebido alguns e-mails a contestar a autoria das imagens que por aqui vou editando. Para que conste, o citado cavalo Ésquilo, o Superelefante, o Leãozinho e no caso vertente o senhor Manuel Tavares de quarenta e nove anos, natural de Fermentelos e padeiro de profissão, poderão testemunhar -quando necessário, em defesa das minhas afirmações e honestidade virtual.
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Não sendo por natureza uma pessoa desconfiada, tenho por norma algum cuidado quando me defronto com afirmações que me pareçam descabidas pelo seu exagero. Esta do "tenho pão quente a todo o momento" cabe perfeitamente nesse contexto. Para me tirar de dúvidas, entrei no estabelecimento e pedi a um dos empregados dois pães de Mafra. «Para embrulhar ou comer já?» devolveu de olhar gozão e com o bigode a rir da alarvidade debitada. «É para meter no saco das perguntas parvas.» retorqui com cara de poucos amigos. Apagou o sorriso do apêndice capilar e passou-me o pão.«Mas este pão está frio! Aquela afirmação na montra é publicidade enganosa!» insurgi-me de imediato. «Não é não. O senhor há-de reparar que na imagem aparece na direita baixa um bonequinho de braço levantado. Logo a seguir, ligeiramente mais abaixo, outro letreiro que informa "de segunda a quinta-feira". Ora hoje é sexta... » concluiu triunfante, Manuel Tavares de quarenta e nove anos, natural de Fermentelos e padeiro de profissão.
Lisboa, 2007. Texto e foto de: Alberto Oliveira