Saturday, April 29, 2006

VERTIGENS




















O autocarro ziguezagueava pela estrada onde mal cabiam duas viaturas ligeiras lado-a-lado. E subia, subia, como que pretendendo alcançar o céu azul-sem-mácula, naquele perfeito dia de primavera. As alturas sempre lhe meteram um certo respeito e depois de meia-hora de viagem, já se condenava por não ter alugado o raio dum carro na cidade, pois uma coisa era a confiança que tinha em si próprio, a outra, o desconhecimento das capacidades de condução daquele motorista que não conhecia de lado algum e em terreno tão acidentado como aquele.
De cada vez -e preludiando mais uma subida a pique, numa curva apertada, que se fazia ouvir o guinchar do rodado, Amadeu ficava à beira do pânico, remexendo-se nervoso no assento e pedindo aos céus o fim rápido de tal suplício. Para mais, o lugar onde se sentava, não lhe permitia ver o precipício que adivinhava perigosíssimo, pelos cumes montanhosos que desfilavam e conseguia descortinar à sua direita. Da sua janela seria o paraiso. Uma sinfonia em tons predominantes de verde, de olivais, choupos, veredas e uma ou outra casa aqui ou mais além.
Numa dessas curvas em que o autocarro inclinou ligeiramente, voltou-se para a mulher que viajava a seu lado e disse «Este tipo está a exagerar! Não tarda nada e espeta com o pessoal lá em baixo! E você aí calada que nem um rato... Vai cheia de medo não é?!» Franzindo o sobrolho ela respondeu-lhe calmamente «Ó homem! O motorista faz isto todos os dias e sabe-se lá há quantos anos... E você a pôr em causa o profissionalismo da criatura... ».
Uma travagem mais brusca, foi o epílogo da viagem para Amadeu. Ergueu-se, espetou o dedo para o motorista e berrou «O senhor vai imediatamente abrir-me a porta e deixar-me aqui! Ou pensa que poderia dar-me cabo do canastro quando muito bem entendesse?!»
Do Miradouro de Santa Luzia, passando pela Sé, Amadeu desceu até à Rua Augusta num ápice. Sentou-se na primeira esplanada que encontrou e respirou aliviado.

Valldemossa, Palma de Maiorca, 2006.Texto e foto de Alberto Oliveira.

Wednesday, April 26, 2006

VELEJAR em AZUL



Teria de regressar muito atrás no filme da sua vida, para se recordar quando experimentara pela última vez, esta imensa paz de espírito coloreada a azuis tão intensos, que dificilmente os poderia conceptualizar nas viagens que efectuava regularmente através do traço e da cor. Não se arrependia -bem pelo contrário!, do tempo gasto na construção deste barco que lhe saiu das mãos e em que se empenhou até quase ao último euro. Agora, os seus dedos acariciavam de facto as ondas que vinham esbater-se e acabar em espuma, contra o madeirame de estibordo; tocar o céu, que se confundia com a água, já nem lhe parecia empresa de outro mundo.

Deodato percebeu que o corpo estava a ficar enregelado. Com mil cuidados, retirou o barco da banheira, colocando-o próximo da saboneteira. Depois ergueu-se, limpou-se vigorosamente e foi tomar o pequeno-almoço..

Ao largo de Armação de Pera, 2006.Texto e foto de Alberto Oliveira.