Wednesday, September 28, 2005

RESPONSABILIDADES ACRESCIDAS

Preparava-me para apagar a luz da mesa de cabeceira, depois de ler mais um capítulo do livro "Administrador; homem ou mito?" de H. Harris Jr. quando a minha mais-que-tudo me desfere à queima-roupa «Lembras-te de em meados do mês passado te dizer que aquilo não me tinha aparecido?». É inaudito! Ainda de cérebro intensamente inundado de medidas e estratégias macro-económicas e preparando-me para dormir sobre tão importantes e decisivos conceitos, eis que sou questionado tão singular e abruptamente. É aquilo que designo por descer à terra..sem asas. «Tu não me venhas a esta hora com uma daquelas situações em que és pródiga. Do género, "tinha o prato de Vista Alegre, aquele do cavalinho branco, guardado na segunda gaveta à esquerda, do guarda-louça, estou fartíssima de o procurar e...nada!". Se é disso que se trata, por favor, Mona! Não tenho rigorosamente nada a ver com isso. Não te mexo nos pratos de Vista Alegre nem nos copos de Olhos Tristes. Percebes?!» respondi, já a perder a paciência, por um lado, por outro a culpar-me pelo modo ríspido como lhe falei.
De olhos marejados de lágrimas, balbuciou «Não é nada disso, meu doce! O que não me apareceu foi o período...». O H. Harris desvanecia-se pouco a pouco da minha mente; agora começava a concentrar-me em termos estritamente familiares. A minha mulher estava muito perturbada, sem dúvida; e eu não sabia a extensão ou gravidade da coisa o que me deixava também muito assustado. Paralelamente condenava-me, por nos últimos tempos não lhe ter dado mais atenção, colocando o meu trabalho em primeiro plano. Mais comedido, perguntei-lhe «Então e que período do dia é que não te apareceu? A manhã, a tarde ou...a noite? Acalma-te e não chores que vamos falar sobre isso o tempo que fôr preciso, está bem?» . Olhou-me como que surpreendida e desatou novamente a chorar, mas desta vez convulsivamente. O assunto complicava-se e de que maneira! Abracei-a, beijei-a e dez minutos depois tinha recuperado a voz «Não é nada disso meu doce. Já fui ao médico e ele disse-me que vamos ter um filho!»
Como devem calcular, esta noite não consegui dormir. Custa-me a perceber ver-me na pele de pai. É que eu nunca fui pai na vida, caraças! Amanhã vou comprar literatura sobre o assunto; e como o tempo vai ser escasso para o blog, talvez encontre um livro sobre como ensinar o seu filho a teclar...antes de andar.

Saturday, September 24, 2005

OS RISCOS da PROFISSÃO

Se há sextas-feiras negras , ontem foi uma delas. Eu bem lutei comigo próprio para não vos aborrecer com os meus problemas a este nível, mas pensando bem, quem melhor que vocês para ouvir as minhas queixas, sejam elas físicas, emocionais ou de qualquer outra ordem? Se há cerca de dois meses, este espaço tem sido o fiel depositário de relatos mais ou menos bem dispostos (porque eu sou um optimista por natureza), da minha vida familiar, dos meus amigos e conhecidos e até daqueles de quem apenas sei da existência porque de figuras públicas se tratam, porque não alargá-lo também à minha área profissional? E há outro motivo não menos importante, para me abrir convosco nesta matéria; não gostaria absolutamente nada que passasse a ideia entre vós que eu tivesse uma ocupação menos tradicional digamos assim; que me imaginassem sentado na cadeira da presidência de uma câmara municipal ou de um secretário de estado. No estado de graça ?! em que este país navega, longe de mim ocupações de tal natureza...
Portanto e antes que se iniciem quaisquer tipos de especulações a este propósito, garanto-vos que sou um mero adjunto de director de serviço numa empresa do ramo imobiliário com sede em Turim. Tenho um vencimento razoável, cheguei até aqui por mérito próprio -pelo menos é o que consta na minha folha de serviço e até ao início deste ano encarava o futuro próximo profissional sem problemas e se tudo corresse como esperava, provavelmente antes do final do ano, por passagem à reforma do director com quem trabalhava, ocuparia o seu lugar. Só que, em poucos meses, tudo se transformou...para um cenário contrário. Um colega desejoso do lugar e que eu tinha por amigo, foi-me atraiçoando ao ponto do meu director passar a ter um frio relacionamento comigo, quando antes existia uma aproximação quase amigável. Quando regressei de férias as coisas pioraram ainda mais pois eu sentia um ambiente de grande tensão à minha volta. Quinta-feira passada de manhã tinha uma nota para me apresentar à Administração no dia seguinte. Uma nota impessoal, seca e que me fazia esperar o pior.
Ontem, às onze horas, com uma noite em branco atrás de mim, apresentei-me numa reunião onde estavam dois administradores e três directores de serviço. Foi um interrogatório infernal que durou seguramente duas horas. O Giovanni Lampardini (homem de face patibular), que veio directamente de Itália, foi o que mais me massacrou. No final, foi ele que me deu a notícia «Caro, vais substituir o nosso administrador em Lisboa a partir da próxima segunda-feira!».
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Estes sonhos dão cabo de mim. A minha mais-que-tudo, acordou-me assustada. Disse-me depois que sonhei alto em italiano e que me ria doidamente. Felizmente que hoje é sábado...

Thursday, September 22, 2005

O REGRESSO do FILHO PRÓDIGO

Quando entrei na papelaria do Casimiro, lhe dei os bons-dias e lhe estendi a mão com o dinheiro trocado para o jornal que ele retiraria do expositor aramado, o ritual diário quebrou-se. Não fez caso do meu gesto -ou nem reparou, rodeou o improvisado balcão do espaço acanhado, chegou-se a mim, abraçou-me e disse com a voz embargada «O meu filho chegou!».
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O Casimiro é uma figura conhecida e, diga-se em abono da verdade, respeitada: porque tem sempre uma palavra simpática para toda a gente, é diplomático sem ser untoso e... ele e a papelaria estão ali, parece que desde sempre. Mas nos últimos dois anos o Casimiro ainda se tornou mais popular porque o filho mais velho, o Júlio, que foi o presidente da nossa Junta de Freguesia, foi indiciado num processo-crime que, segundo o que constou, metia dinheiros mal-parados da freguesia. Antes de ser ouvido em tribunal, o autarca, para espanto de todos, meteu-se num avião para o Funchal e por lá foi ficando...até hoje.
O Casimiro apenas me tocou no assunto uma única vez «Se ele me tivesse pedido uma opinião, só lhe poderia ter dito para ficar; uma pessoa de bem, não foge nem está acima da justiça». Os clientes habituais não deixaram de ser clientes do Casimiro, por via do acontecimento; alguns outros -e não foram poucos!, sabendo da opinião do pai do Júlio, contestaram-no, afirmando que nunca um presidente de uma Junta tinha feito tanto por uma freguesia como ele; fosse ou não, culpado de qualquer tipo de delito. E formou-se mesmo um movimento de apoio ao Júlio, em próximas eleições autárquicas. Este, apenas foi visto de relance numa transmissão televisiva de um encontro de futebol, quando uma equipa do continente jogou na ilha. Alberto João, nunca a ele se referiu. A sua atenção sempre esteve mais virada para os cubanos, porto-riquenhos e espanhóis.
Hoje, Júlio regressou, aterrando na Portela e entregando-se às autoridades. Vai concorrer às eleições e gozar de imunidade política por esse motivo; diz-se. As sondagens atribuem-lhe algum favoritismo. Centenas de fregueses foram esperá-lo ao aeroporto para lhe darem uma palavra de conforto após tão dramática e sacrificada ausência.
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Casimiro, passou-me o jornal para a mão e eu disse-lhe «Sei que você é pai; mas se o seu filho ganha as eleições mudo-me daqui. Vou residir para Felgueiras!».

Monday, September 19, 2005

O JOGGING

Antes de almoçar fiz o meu jogging matinal-domingueiro, na zona ribeirinha, que vai de Belém às docas de Santo Amaro ou vice-versa*. É uma zona in na capital, para quem gosta de dar o corpo ao manifesto. Alguns, limitam-se a passear o vestuário desportivo de marca, ensaiando de dez em dez minutos uma corrida rápida de trinta metros, regressando a casa para o duche, ao cabo de meia hora; outros, sem nada terem a perder, correm de facto, cronometrando o tempo e o espaço na cadência que mais se lhes ajusta. Pertenço ao segundo grupo, corro durante uma hora, mas não lhes forneço a quilometragem percorrida para não ficarem com ideias, que entre a reputação de presunçoso e as marcas da vida a fronteira é muito ténue.
Os do primeiro grupo, são os que já "correram" lado-a-lado com Jorge Sampaio, ao que afirmam a quem os quer ouvir (e audiência para estes relatos é coisa que não falta) e já tive oportunidade de constatar numa esplanada próxima enquanto me preparava para iniciar o meu exercício num destes domingos. Um sujeito dos seus trinta anos, mais encarnado que um tomate, com vocabulário de director de média empresa, rodeado de ouvintes estupefactos, contava: «Primeiro, ultrapassou-me um gajo entroncado e de bigode, com uma pedalada diabólica -e eu já vinha a dar-lhe bem!, ao mesmo tempo que me fazia um sinal com a cabeça, querendo significar que ainda vinha mais alguém atrás a quem eu devia dar atenção. Vocês não queiram saber quando olho para o meu lado esquerdo e vejo o presidente da república!! Parei, pois claro!, mas ainda tive tempo de o ver piscar-me um olho como quem diz: "deste o berro, ehn! ó meu?!". Nunca mais me vou esquecer deste dia, podem crer!».
Eu juro que nunca o vi por aqui. Quando corro, dirijo o olhar para o meu interior e revejo percursos que fiz e pondero nos que virei a fazer; a pé, de carro, a cavalo ou de mota. A paisagem exterior é apenas uma referência da actualidade.
* Agora não se esqueçam de ir para aqueles lados e começarem a perguntar a qualquer bicho careta, de fato de treino, se por acaso não é o Legível... Tenham tento!

Friday, September 16, 2005

A DESENCAMINHADORA

Pois foi. A minha amiga Catarina, finalmente casou-se. Não que corresse perigo iminente de ficar para tia, como se costuma dizer; não. Pode-se dizer em boa verdade que ainda é uma jovem -na plena posse dos seus recursos físicos, com tudo o que isto queira significar e, o que não é menos importante, é uma mulher inteligente, preocupada e envolvida com as coisas do social. Pelas conversas que fomos tendo nestes últimos anos, a Catarina apenas pretendeu não se amarrar demasiado cedo. E como não podia deixar de ser, tal facto provocou algum frisson (como adoro estes francesismos no interior das minhas conversas convosco! Nunca tinham notado?), a algumas senhoras casadas e residentes aqui na minha rua. Eloquente e como exemplo de tal, a conversa que hoje ouvi de manhã, enquanto aguardava a minha vez para a caixa do banco, da Elvira (uma enfermeira reformada, viúva, que tem um cão preto manco* e que deve ter uma agenda com o registo dos factos mais importantes da vida de todos os moradores dos prédios mais próximos do seu) , que dizia para a Alcinda (que é surda que nem uma porta e que diz a toda a gente que sim...): «A gaja teve a lata de ir de branco! Como se não soubéssemos o que ela fazia...». E aquele fazia era enfatizado e a outra só abanava a cabeça para baixo e para cima. E completou com uma frase de dramaticidade garantida: «Veremos se é desta, que os nossos maridos (solidária, juntava-se ao colectivo e esquecia a própria viuvez), andam de cabeça mais descansada, que aquela mulher é um perigo permanente!».
Pasmo, como ainda se fabricam conversas deste teor nos tempos que correm. O que esta historiadora da minha rua não terá já registado na sua agenda àcerca da minha pessoa, sobre as vezes em que me viu à conversa, na rua ou no café, com a minha amiga Catarina? E quando a minha mais-que-tudo se nos juntava? . A perversidade mental não tem limites; o marido da Catarina também vai ter um lugar de relevo nas histórias da Elvira. E não vai ser pelos melhores motivos; aposto.
* Quem tem a agenda é a Elvira; não é o cão...

Monday, September 12, 2005

SEGUNDA-FEIRA

Tempos houve e bem recentes, em que embirrava supinamente com as segundas-feiras. No fundo, pelas mesmíssimas razões porque o cidadão comum igualmente não pode com as ditas. No entanto -e para vossa informação e consolo (que é reconfortante sentirmo-nos irmanados na desdita...) darei conta de como era a minha mágoa em tais dias, que nem todos a temos de igual formato e tamanho. E por outro lado, embora não pretenda servir de modelo a quem quer que seja, narro-vos como contornei aquilo que já tinha como obsessão: o azar às segundas-feiras.
Nos primeiros meses de casados, como devem calcular?!, sair de casa pela manhã a uma segunda-feira, despedir-me da minha mais-que-tudo, assumia aspectos cuja dramaticidade eu sabia ser glosada pelos vizinhos. E não era para menos; morar num rés-do-chão tem alguns custos e sentir-me num "palco", onde era observado por uma "plateia de dez andares" não é para qualquer um. Numa primeira fase, ela dizia-me adeus da janela; mas não se continha e vinha beijar-me à porta da rua. Aí, as cabeças nas janelas esperavam por mais. E tinham razão: faltava o último beijo, o mais apaixonado. De pé, antes de entrar no carro, afagava-lhe os longos cabelos negros, ela chorava baixinho e beijávamo-nos durante um ou dois minutos. Uma noite sonhei que os habitantes do prédio nos aplaudiam e pediam encores...
Não. Eu não era daqueles que detestava trabalhar à segunda-feira; era um dia como outro qualquer, que não afectava o meu rendimento profissional. Não pedia a todos os santos que me poupassem à chacota de meu emblema desportivo ter perdido no fim-se-semana; nem tinha clube nem percebia porque motivo andavam vinte e dois tipos em calções a correr atrás de uma bola. É verdade que também me custava separar da minha mais-que-tudo, após um fim-de-semana, mas...ao fim do dia já estava novamente nos seus braços...Aquela "despedida matinal" é que estava desajustada no calendário da semana. Discutir um assunto desta natureza e sensibilidade não foi fácil. Tive de me render: a minha sogra ficava em nossa casa de domingo para segunda e "entretinha" a filha enquanto eu saia de mansinho.
Foram tempos difíceis. Porque a minha sogra começou a lá ficar o fim-de-semana todo; depois, quase sem dar por isso, passava outros dias da semana e...por aí fora, até ficar a viver connosco "por inteiro". Hoje as coisas estão completamente diferentes...para melhor. Eu fui viver para casa da minha sogra que por sua vez foi viver com a minha mais-que-tudo. Vou vê-la aos fins de semana. Ela, por sua vez, começou a trabalhar. Agora é a mãe que faz o "papel da despedida". Um destes dias um vizinho queixou-se-me «Foi pena amigo Legível, ter saido de cá; você representa muito melhor que a sua sogra!».

Saturday, September 10, 2005

A IMPLOSÃO

Mal me tinha sentado, já o Cunha me entrava pelo gabinete adentro e me perguntava entusiasmado «Então, viste a implosão?». Confesso que, por momentos, fui apanhado de surpresa, tal era a ideia que fazia sobre o dia de trabalho que iria ter pela frente e onde se destacava uma reunião com um dos nossos clientes mais importantes que ameaçava abandonar-nos a qualquer instante. Passados uns segundos lá me recompus «Não; não vi. Aproveitei a tarde em casa para pôr uns papéis em ordem e ouvir um pedaço de música». Pensei que o meu colega se ficasse por ali, mas o Cunha não é sujeito para desarmar apenas com um não e a sua fome de conversa é proverbial. Uma nuvem de desalento passou-lhe rápida pelo olhos, para logo voltar à carga «Música! É isso mesmo! Perdeste um espectáculo fantástico; a implosão e a música do Vangelis!. O bar da companhia estava cheio de pessoal entusiasmadíssimo!»
Há pouco quando cheguei a casa, já liberto do peso do cliente importante e do Cunha, de quem não me livrei ao almoço, relatando-me os pormenores da "coisa", perguntei á minha mais-que-tudo «Tu ontem à tarde, viste a implosão?» . Ela suspendeu o gesto de abrir o frigorífico, provavelmente para retirar os ovos, pois tinha-se proposto fazer arroz-doce para a sobremesa do jantar, olhou-me como tivesse sido apanhada em falta mas recompôs-se «Meu doce: eu bem te digo que tu deves tomar mais atenção às tuas coisas. Mas é o mesmo que nada; hoje pões uma coisa num lado, amanhã noutro. Tens papéis por tudo o que é sítio. Como é que podes dar conta de tudo?! Uma coisa é certa: eu não mexi nem vi a tua implosão!» . Sosseguei-a, pois já lhe adivinhava umas lágrimas aflorarem-lhe os bonitos olhos. Fica tão nervosa, a minha mais-que-tudo, quando lhe dirijo a palavra de um modo menos romântico...
A mim, brilhou-me um sorriso de satisfação nos olhos. Pelo menos desta vez, a televisão não tinha conseguido entrar cá em casa para me impingir um espectáculo circense de qualidade duvidosa e de propaganda política(?!), fora do tempo de campanha...

Wednesday, September 07, 2005

PÔR a ESCRITA em DIA

Hoje, antes de iniciar este exercício regular da escrita (e na secreta esperança de haja quem me leia sem procurar adivinhar a cor dos meus cabelos ou o número de sapatos que calço), questionei-me muito sériamente: «Ouve lá Legível; porque passas aqui uma parte do teu tempo disponível, amontoando palavras sobre palavras, quando outros já o fazem melhor e há mais tempo que tu ? Não estarás a repetir uma acção desnecessária? Se por acaso estivesses a adestrar-te para outros voos literários...entendia-te. Mas penso que não é o caso, pois tenho-te na conta de um jovem atinado e sabes que "muitos são os predestinados mas poucos os escolhidos" e se crês divertir o pessoal com uma forma de humor "muito própria", há muito que estás avisado "que num país de anedota" a concorrência é incomensurável. Porque não ocupas as tuas horas disponíveis de uma forma mais racional e...rentável? Sugiro-te, por exemplo, a dobragem de caixas de cartão para embalar autarcas dissidentes. Ou a estatísta dos portugueses que cospem para o chão. Ou então, os que tiram macacos do nariz enquanto conduzem. Divertes-te e ganhas uns euros extra...Pensa nisso.»
Tenho para mim, que questionar-me é uma coisa excelente. Mas levar "à séria" questões tão legivelmente descritas e ainda por cima com um provocador e desafiante pensa nisso!... Nem pouco mais ou menos! Detesto provocações, desafios nem os de hoquei sobre patins e pensar...consome-me o intelecto.

Sunday, September 04, 2005

PRAZERES

Dialogar é talvez um dos meus maiores prazeres. Escrevo talvez, porque outros prazeres que não são para aqui chamados, não por uma questão de pudor mas de oportunidade, também constam numa lista pessoal elaborada com alguma contenção (que dos prazeres, a quantidade não é proporcional à qualidade...) e...honestidade*. Escrevo ainda talvez, não porque não tenha a certeza de ser um dos meus maiores prazeres, mas porque constato com mágoa que, a breve trecho, esse prazer integrará uma qualquer relação de prazeres em vias de extinção e lá ficarei eu a chuchar no dedo por esse prazer que me está a ser paulatinamente retirado, ter os dias contados.
Que cada vez se dialoga menos é um facto. O diálogo está a ser substituido pelo combate verbal onde os oponentes têm todos razão...segundo a sua óptica. Hoje, a frase fulano é um bom ouvinte deixou de ter qualquer significado positivo; no mínimo, esse fulano será um mero espectador de um diálogo ou é...mudo. Os debates de ideias(?!) a que assistimos, políticos ou de outras áreas, mostram-nos exemplarmente que, quem seja detentor do maior vozeirão, ou que só se cale quando a galinha miar três vezes é declarado "vencedor" de tão edificantes encontros da oralidade.
«Meu doce; posso interromper-te por um minuto?». A minha mais-que-tudo tem a pontaria mais que afinada, para me interromper nos meus melhores momentos; exactamente na altura em que tinha achado um belo final para esta conversa convosco; o seu sentido de oportunidade é admirável! «Diz lá...», concedo magnânimo. «Olha que as contas que fizeste para o nosso orçamento caseiro do segundo semestre deste ano, não me parecem correctas!» informou com ar triunfante. « Ah não?! Pois eu tenho a certeza que estão certas; e se não concordas, aconselho-te vivamente a ires fazer uma visitinha á tua mamã. E agora deixa-me que tenho de terminar isto!»
* Porque carga de água eu afirmaria que tenho imenso prazer em dialogar com a minha sogra? ahn?!

Thursday, September 01, 2005

O CANDIDATO















Antecipei-me veloz ao meu colega do canal concorrente e estendi-lhe o braço armado de micro em riste, disparando «É verdade que hoje, vai tornar pública a sua candidatura?». Os seus olhos pequenos e escuros não reflectiram a menor surpresa face à pergunta. Percebi que relanceou um olhar frio (ou de desdém?) à minha pessoa e logo de seguida dirigiu a sua atenção para os restantes jornalistas presentes, parecendo esperar sem entusiasmo, mais perguntas tão argutas como a minha.
Balanceou o longo pescoço para a sua esquerda, quando o Guedes de "O Impresso" conseguiu que a sua voz se sobrepusesse às outras «Se se candidatar de facto, isso deve-se a um grupo de pressão dentro do seu próprio partido ou é da sua exclusiva vontade? Não haverá o perigo de divisão entre os militantes do seu partido com a sua candidatura?». Adivinhei-lhe um sorriso trocista -que não deixou transparecer e continuou a defrontar tranquilamente os representantes dos media. Os seus movimentos denotavam um certo cansaço e era óbvio que se encontrava aqui sem o prazer de outros tempos. Cumpria apenas, mais uma página do calendário político de uma vida.
«E o seu camarada, que se disponibilizou para se candidatar antes de si? Não acha que merecia uma palavra sua, antes de tornar pública esta quase decisão?» esganiçou-se a Roberta do "Diário Nocturno", conhecida pela agressividade que colocava em todas as questões. Ele olhou-a por breves segundos, piscou os olhos, voltou-se e abandonou o local. Sem abrir o bico.